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Elas não estão nem aí para estratégias e lucros

Empresas orgânicas buscam felicidade de colaboradores e clientes antes do dinheiro

Autor: Pedro MachadoFonte: NoticenterTags: empresariais

Imagine uma empresa onde a principal preocupação dos gestores não são as estratégias, o orçamento, o cumprimento de metas, a concorrência e muito menos o crescimento dos lucros ou do faturamento. Em meio a um mercado tão competitivo e muitas vezes impiedoso, é difícil – e completamente compreensível – acreditar que isso seja possível. Mas o que você diria se organizações de sucesso inquestionável, gigantes mundiais líderes em seus setores de atuação, se encaixassem nessa descrição?

 
Google e Toyota, para citar alguns nomes, são exemplos de empresas orgânicas, aquelas que buscam, antes de crescimento financeiro, criar ambientes de trabalho que façam seus colaboradores felizes, extraindo deles o máximo de comprometimento com o negócio. A partir daí a equação se torna simples de entender: funcionários assim trabalham melhor, são mais criativos e responsáveis, deixam os clientes mais satisfeitos e melhoram continuamente, gerando assim resultados expressivos. “O crescimento financeiro não é o foco delas. É uma consequência natural desse processo”, esclarece o coach Renan Carvalho.
Organizações orgânicas rejeitam as premissas do desgastado modelo tradicional de administração empresarial baseado em sistemas de comando e controle (veja a comparação no quadro abaixo), explica Renan, autor do recém-lançado livro “O2 – Organizações Orgânicas” (disponível em www.psbrasil.com.br). Elas acreditam, acrescenta o especialista, numa nova proposta de gestão, livre de engessamentos, onde as empresas funcionam como um organismo vivo – daí o nome orgânico – e todas as pessoas interagem entre si, ao contrário de uma máquina que precisa de cada componente em seu devido lugar para funcionar com 100% de eficiência – um contraste ao famoso organograma. 
 
Por si só, o conceito de organização orgânica representa um tapa na cara do mundo corporativo por contrariar tudo aquilo que se aprende nas faculdades de administração e se espera de uma empresa: que ela gere cada vez mais lucros. Para Renan, essa é uma ideia distorcida e ultrapassada. “O lucro não deve ser a razão de uma organização existir. Empresas existem para gerar algum tipo de valor para a sociedade, para as pessoas”, afirma o especialista.
 
Isso não quer dizer que o lucro não seja importante, até mesmo para as organizações orgânicas. Ele é indispensável para a sobrevivência da empresa, assim como a água ou o ar são necessários para o ser humano, compara Renan. “Mas as pessoas não vivem para beber água ou respirar. Elas têm outros objetivos. E uma empresa deve funcionar da mesma forma”, diz o especialista.
 
Quebra de paradigmas
 
O sistema empresarial orgânico é uma filosofia, não uma metodologia que pode ser implementada. Por isso, o modelo que existe em empresas como Google e Toyota não pode ser copiado, porque não há fórmulas pré-definidas. Ele cresce e se estabelece naturalmente, assim como tudo na natureza, em harmonia com seu ambiente. O problema – para muitos – é que essa filosofia vai de encontro a tudo que normalmente é difundido, por mudar radicalmente a maneira como uma empresa organiza seus processos e o trabalho das pessoas. E é natural que gestores e empresários tenham resistência a grandes mudanças.
 
Em entrevista ao Noticenter, Renan conta que foi exatamente isso que aconteceu com ele. Depois de passar 20 anos estudando e experimentando o assunto na condição de empresário, executivo, operário e consultor em mais de 50 empresas no Brasil e nos Estados Unidos, ele se deparou com alguns dilemas da administração empresarial. E passou a questionar por que algumas coisas precisavam funcionar como a maioria dizia que elas deveriam. “As organizações querem pessoas motivadas, mas o próprio sistema é desmotivador em sua essência por impor uma série de regras, processos e hierarquias, que estimulam vaidades, submissão, incoerências e burocracias. E com isso vêm a insatisfação, a infelicidade e o alto índice de rotatividade entre profissionais”, avalia.
 
Mesmo depois de assimilar que muitas das ferramentas atuais de gestão podem ser ilusórias, Renan, num primeiro momento, também resistiu em quebrar alguns paradigmas empresariais. A “ficha caiu” depois que ele conheceu o alemão Niels Pflaeging, autor do livro “Liderando com Metas Flexíveis” e fundador do Beta Codex Network, organização aberta focada na transformação organizacional que atua na Europa, Estados Unidos e América Latina.  
 
Renan trouxe Niels para participar de alguns workshops sobre gestão em Santa Catarina. E o alemão causou espanto na plateia que o assistia em um desses eventos ao responder a uma pergunta sobre orçamento e planejamento estratégico, feita por um dos participantes. “Sua empresa não precisa disso”, disse. O que Niels quis dizer é que gestores se preocupam em melhorar um sistema que já está falido. “É preciso abrir a mente, sair da caixinha”, acrescenta Renan.
 
A importância de confiar nas pessoas
 
O atual sistema de administração das empresas pressupõe que não se deve confiar nas pessoas, avalia Renan. É por isso que existem organogramas, processos e auditorias, por exemplo. “Ao invés de liderar uma equipe servindo de inspiração, referência e exemplo, o papel fundamental de um gestor é atender os desejos e planos de seu superior, garantindo através de processos e controles que as pessoas executem o que foi traçado por um comando central”, diz o especialista. Para ele, ter que controlar o trabalho, tempos, horários, metas e uso de internet, entre outros fatores, significa tirar a liberdade, a autonomia e a responsabilidade das pessoas - e, portanto, não confiar e não acreditar no que elas podem fazer de melhor.
 
A estrutura das empresas tradicionais, continua o especialista, contribui com isso. Normalmente ela estimula a padronização de processos e a submissão hierárquica e não permite que se fuja muito das rotinas ou dos comandos superiores. “As empresas dizem que preferem as pessoas empreendedoras e que gostem de desafios, mas ao mesmo tempo não sabem desafiá-las. Chamam de desafio o aumento sistemático das metas e a pressão por resultados, e o fazem ao mesmo tempo em que restringem a liberdade de ação e criação das pessoas através dos controles, dos cargos e da falta de transparência, principalmente no tocante a questões financeiras”, diz. “O fato é que ninguém trabalha feliz em um ambiente assim. As pessoas se submetem a eles porque precisam. Isso ajuda a explicar a alta rotatividade no Brasil”, acrescenta Renan, lembrando que em 2011, segundo dados do Dieese, 54% dos brasileiros trocaram de emprego.

Mas o que é ser uma empresa orgânica, afinal?
 
Mais do que abrir mão de premissas que remetem à gestão baseada no comando e no controle, sistemas orgânicos se propõem a criar uma maneira sustentável de organizar o trabalho em uma empresa. Nesses casos, o foco está sempre nas pessoas e no valor que elas geram para outras pessoas. “Se os colaboradores de uma empresa estão felizes, estão deixando os clientes encantados e estão comprometidos com a melhoria contínua que garante a sustentabilidade financeira, não é preciso se preocupar com estratégias, crescimento ou concorrência”, destaca Renan. 
 
O especialista reforça que não se trata de uma metodologia que pode ser implantada, mas de uma filosofia que precisa ser plantada para crescer aos poucos na empresa. “É muito mais um processo de mudança de mentalidade”, justifica. Por isso, quanto mais cedo uma equipe for reeducada neste sentido, mais rápido os resultados – comprometimento, criatividade, inovações, qualidade de vida e fidelização dos clientes – aparecerão. As ferramentas que vão tornar a organização mais produtiva e eficaz surgirão naturalmente ao longo desse caminho.
 
Os desafios da mudança
 
Apesar de ter um grande número de empresas familiares e de descendência alemã, que possuem uma administração mais conservadora, Blumenau é, hoje, uma das cidades pioneiras no país na incorporação desse modelo de gestão, de acordo com Renan. Muitas empresas da cidade estão em processo de desenvolvimento orgânico. Todos os seus líderes participaram, nos últimos dois anos, do Programa de Gestão Empresarial Orgânica (PGEO), criado por Renan e focado no desenvolvimento da mentalidade e dos comportamentos necessários à liderança orgânica.   
 
Uma dessas empresas é a Belli Studio, que produz ilustrações e animações e foi a responsável pelas ilustrações do livro O2 – Organizações Orgânicas. A empresa, que possui 15 colaboradores, já desenvolveu projetos de destaque internacional, como a animação do desenho Peixonauta, exibido no Discovery Kids em mais de 70 países. Depois de ter contato e estudar o modelo orgânico, o diretor Rubens Belli decidiu ousar e abriu mão de algumas ferramentas tradicionais de gestão que envolviam níveis de hierarquias, controles de processos e plano de cargos e salários. “As ferramentas tradicionais de gestão nos trouxeram muito mais custos e problemas do que qualquer tipo de vantagem. Percebi também que nunca poderia liderar uma empresa utilizando a autoridade como meio”, lembra.
 
Belli passou a dar mais liberdade para as pessoas. Agora toda a equipe decide, juntamente com ele, os caminhos da empresa. É o consenso entre todos que define os rumos a serem seguidos – mesmo que esse consenso não seja do agrado dos donos do negócio. “O clima interno melhorou muito. Com essa autonomia, as pessoas também se sentem mais responsáveis pela empresa e produzem mais, mais felizes”, conta.
 
De acordo com Renan, uma vez que o líder estuda, reflete e entende as premissas orgânicas, tomando consciência de como elas fazem sentido para o funcionamento de uma organização de seres humanos, ele não volta mais a pensar e nem agir como antes. “Ele planta a semente e passa a cultivá-la para que o ambiente orgânico se desenvolva em sua empresa”.